quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Crianças e adolescentes vítimas de desastres naturais ficam vulneráveis

Nas últimas semanas, diversas regiões do país (Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina) sofrem com fortes chuvas, desmoronamentos e inundações. Desastres naturais como estes podem ser especialmente problemáticos para meninos e meninas que, além da dor física, terão de lidar com as situações adversas provocadas por esse tipo de tragédia: traumas psicológicos, doenças, falta de habitação e educação, perda de familiares, abrigamento, adoção e até violência sexual são algumas questões que merecem cuidados específicos por parte do governo e da sociedade.
Pensando nisso, os governos federal e do Rio de Janeiro criaram, em Teresópolis (RJ), o Comitê Emergencial de Proteção à Criança e ao Adolescente para dar segurança e prestar atendimento aos milhares de meninos e meninas vitimados pela enchente que devastou a região serrana do estado. O anúncio foi feito na quarta-feira (19) pela ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Maria do Rosário. Ela visitou o município para verificar as condições em que estão vivendo as 2.892 crianças acolhidas nos abrigos improvisados na cidade. Informou, ainda, que serão criados comitês emergenciais também em Nova Friburgo e Petrópolis para garantir que todas as crianças abrigadas sejam assistidas de acordo com as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Infelizmente outras crianças e adolescentes, vítimas dos temporais que assolaram, em abril de 2010, a Região Metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, não tiveram o mesmo cuidado. Passados nove meses da tragédia um dado chama atenção: em Niterói, ainda há dois abrigos com crianças e adolescentes vítimas das enxurradas.
De acordo com informações de Adriana Claudia Pereira da Silva Rodrigues, membro do Comitê dos desabrigados, em um dos abrigos há entre 70 e 80 meninos e meninas, e no outro o número chega a quase 100. A idade varia entre 28 dias e 18 anos. Isso sem contar as moças grávidas. "Para piorar a situação não existe previsão de quando as pessoas vão sair do abrigo e nem o local para onde devem ser encaminhados", enfatiza. Segundo dados da prefeitura, na ocasião, 3.200 famílias foram desalojadas em função das chuvas, sendo que 5 mil dessas pessoas eram crianças e adolescentes.
Em se tratando de educação, Adriana ressalta que somente um dos abrigos mantém uma escola, cobrindo da 1ª a 4ª série do ensino fundamental. "Não faltam vagas, mas o problema são as crianças e adolescentes de outras séries que a escola não oferece", friza. O futuro desses meninos e meninas, bem como, o de Adriana e de todos os outros desalojados ainda é incerto. Até agora eles só têm uma certeza: a de que alguma coisa precisa ser feita com urgência.
"Órfãos" das enxurradas
Dados da Cruz Vermelha já apontam que, em 2006, aproximadamente 300 milhões de crianças em todo o mundo se encontravam em territórios de guerras e catástrofes naturais. Meninos e meninas em meio a desastres naturais precisam de cuidados específicos por ficarem mais expostas a uma série de violações de direitos. A questão da adoção é um dos pontos que mais levanta polêmica. Para combater essas ameaças torna-se prioridade um trabalho cuidadoso de identificação e registro das crianças afetadas, assim como o encaminhamento desses meninos e meninas ao lugar e à companhia mais adequados.
Em Teresópolis, um comunicado da Prefeitura, divulgado no início da semana passada, informando que cadastraria casais interessados em adotar crianças desabrigadas e consideradas órfãs causou temor entre os pais que ainda não encontraram os seus filhos. De acordo com a juíza da Vara da Infância e Juventude (VIJ) de Teresópolis, Inês Joaquina Sant'ana Santos Coutinho, a informação foi leviana e a prefeitura já emitiu nota retratando a informação.
A juíza informou que até o momento não foi encontrada nenhuma criança ou adolescente sem o pai ou a mãe, e se isso ocorrer, a Vara irá tentar localizar algum parente. Caso ninguém seja localizado, a criança será encaminhada para um abrigo apropriado e, posteriormente, poderá ser entregue a casais já cadastrados para adoção na lista nacional (Cadastro Único de Adoção), como prevê a legislação. Já três das seis crianças que estão internadas no Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo (RJ), ainda não sabem que ficaram órfãs. Elas são vítimas de soterramento em Nova Friburgo e Petrópolis.
Desde segunda-feira (17), o controle de entrada de crianças nos abrigos de Teresópolis ficou mais rígido, para evitar desaparecimentos e até eventuais sequestros. Medida parecida foi adotada no Haiti, quando 3 milhões de pessoas foram afetadas pelo terremoto de 12 de fevereiro de 2010, metade delas meninos e meninas de até 17 anos. Organizações internacionais que atuavam no país decidiram declarar uma moratória para a adoção dos pequenos haitianos até que um trabalho de identificação e registro fosse realizado. Esperava-se evitar que crianças erroneamente identificadas como órfãs fossem encaminhadas para adoção, assim como combater a atuação de traficantes de pessoas, que costumam se aproveitar de situações de calamidade. Maior cautela nos processos de adoção é apenas uma das medidas que a proteção do público infanto-juvenil demanda em contextos de emergência.
Outro aspecto importante em situação como estas foi lembrado por Márcia Correa e Castro, coordenadora geral da Bem TV, ONG brasileira que se envolveu no cadastro das pessoas que perderam suas casas em função de desabamentos ocorridos em abril de 2010 no Rio de Janeiro: "há lugares em que homens dormem separados de mulheres. Isso tem um aspecto interessante, porque as crianças não ficam tão vulneráveis, por exemplo, ao abuso sexual".
Especialistas apontam que é fundamental ter atenção em relação aos locais onde as crianças afetadas são acolhidas. "Os abrigos devem ser áreas comuns, abertas, com mais visibilidade, para reduzir a possibilidade de abuso", explica a porta-voz do Departamento de Proteção à Criança do escritório central do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Rebecca Fordham. O comprometimento de serviços públicos básicos como iluminação pública e saneamento também pode aumentar esses riscos.
A vice-presidente associada da Save the Children USA para proteção da criança, Lisa Laumann, lembra que, além da atenção com a assistência básica, é necessário ter uma compreensão mais ampla de toda a tensão e a instabilidade em que se inserem os indivíduos afetados. Ela observa que em situações como estas é normal que as pessoas fiquem infelizes, estressadas e desconfortáveis. Além disso é comum que os pequenos durmam perto de pessoas que não conhecem, ao invés de ficarem em suas casas, por isso é importante que eles tenham conhecimentos sobre os seus direitos.
Itamar Gonçalvez, Coordenador de Programas da Childhood Brasil, concorda com os especialistas e ressalta a importância, por parte municípios, estados e governo federal, em priorizar um atendimento de forma mais qualificada dessas crianças e adolescentes vítimas de calamidades e expostas à violência, incluindo a sexual.  "É preciso oferecer um espaço adequado para eles, que respeite, por exemplo, a privacidade na hora do banho, evitando a exposição desses meninos e meninas", pontua. Para ele é necessário chamar a atenção do poder público para ações preventivas. "Os espaços de convivência devem proporcionar a garantia dos direitos do público infanto-juvenil e os conselhos tutelares são peças fundamentais nesse processo orientando e fiscalizando para que esses direitos não sejam violados", conclui.
Manuais de organizações como Save the Children , Unicef e Ecpat dão orientações para se atuar na proteção de crianças inseridas em situações de emergência
- Deve-se conhecer as condições anteriores à guerra ou à catástrofe natural, para compreender melhor o contexto econômico, social e político da região, assim como violações aos direitos da infância que já aconteciam antes.
- Em situações extremas, algumas crianças merecem cuidados ainda mais específicos: meninos e meninas que foram separadas da família ou que tenham deficiências intelectuais, físicas e sensoriais; além de crianças pertencentes a minorias étnicas, sociais ou religiosas.
- Abrigos devem ser locais abertos, comuns e visíveis para dificultar a ação de abusadores.
- Em abrigos e acampamentos, garotos e garotas devem ter privacidade para tomar banho, trocar de roupa e fazer suas necessidades físicas.
- Organizações de proteção à criança devem manter comunicação constante com tropas de pacificação e outras instituições que não atuam diretamente com a infância, para que todos reconheçam e incluam, em suas ações, o atendimento às necessidades específicas das crianças.
- Crianças podem cooperar expressando opiniões e preocupações. Para isso, elas precisam ter a quem se reportar dentro das equipes das organizações atuantes nesses locais.
- Fronteiras, portos e aeroportos devem ser monitorados para que nenhuma criança saia do país sem a companhia de seu responsável legal.
O que é possível fazer para ajudar as crianças a se recuperar de um trauma após um desastre
O que os pais ou responsáveis podem fazer para ajudar a aliviar as consequências emocionais desse tipo de trauma nas crianças?
De acordo com a psicóloga da Vara da Infância e Juventude (VIJ) de Teresópolis, Mônica Moreira, os danos provocados em crianças podem ser revelados em atitudes como fazer xixi na cama, chupar o dedo, ter pesadelos, perder a concentração na escola e até bater nos outros. Segundo ela, há crianças que até perdem a fala por causa do estado de choque. A psicóloga relata que as crianças que acompanhou estão calmas. "Elas ainda não têm noção da realidade e muitas se divertem e brincam com as outras crianças", conta.
Abaixo algumas dicas que a Associação Americana de Psicologia listou e que pode ajudar, inicialmente, a superar os traumas psicológicos causados por um desastre natural.
* Passar mais tempo com a criança e compreendê-las caso apresentem comportamentos mais dependentes nos meses seguintes ao trauma. Afeto e contato físico são bastante reconfortantes para essas crianças.
* Proponha jogos e brincadeiras constantemente, como meio para aliviar a tensão. Crianças mais novas, em particular, podem se livrar de sentimentos ruins mais facilmente em situações como atividades não-verbais, como os jogos, ou mesmo através de desenhos.
* Esteja aberto e estimule crianças mais velhas a fazer perguntas, compartilhar seus pensamentos e sentimentos com você ou com outras pessoas. Isso ajuda a reduzir a sensação de confusão e ansiedade relacionadas com o trauma.
* Mantenha uma rotina de atividades, como horários para comer, brincar e ir para a cama, mesmo que sua família esteja em um abrigo temporário. Isso ajuda a recompor a sensação de segurança e normalidade.
* Motive as crianças a ajudarem outras pessoas. Isso oferece uma sensação de controle sobre as próprias atividades que podem ajudar as crianças a se sentirem melhor consigo mesmas.
* Evite ver as notícias relacionadas com o desastre natural que levou ao trauma. Assistir ao noticiário repetitivo pode re-traumatizar as crianças.
* Procure ajuda profissional. Crianças que conseguem superar um trauma tão impactante por conta própria são exceção à regra. Mesmo as que parecem ter superado podem ter algo que continua a interferir em suas vidas à médio ou longo prazo. Fique atento ao rendimento escolar, níveis de ansiedade e comportamentos agressivos ou de isolamento.
Iniciativas
A Visão Mundial (World Vision) está arrecadando recursos para amparar a população da região serrana do Rio de Janeiro. Todo o dinheiro doado será destinado à construção de "Espaços Amigáveis para Crianças", conceito que já há alguns anos vem sendo desenvolvido pela World Vision para beneficiar crianças vítimas de catástrofes, oferecendo a elas apoio psicológico, educacional e pedagógico, fazendo com que superem o trauma vivido e voltem a ter uma rotina longe da destruição e da total falta de esperança.
O projeto-piloto foi implementado no Chile, por ocasião do terremoto ocorrido no início do ano passado, com resultados muito positivos. Em meados de 2010 outro Espaço Amigável foi construído para apoiar crianças das cidades pernambucanas de Água Preta, Barreiros e Palmares, e Santana do Mundaú, em Alagoas.
http://www.andi.org.br/

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